terça-feira, 24 de agosto de 2010

Capítulo 02 - ENTENDENDO OS SENTIMENTOS... (Parte 01)


CAPÍTULO DOIS - ENTENDENDO OS SENTIMENTOS... (Parte 01)

Não me lembro de um jantar tão silencioso assim em toda a minha vida. As últimas horas, aliás – desde que chegamos do colégio –, foram um mar de silêncio. O humor piorado de Jared conseguiu contaminar toda a atmosfera ao redor dele, mas eu, honestamente, não poderia culpá-lo dessa vez. Pela minha óptica, ele até que estava reagindo bem, diante do acontecido. Se tivesse sido comigo aquela brincadeira estúpida de roubar os pertences, não sei se eu estaria tão controlada à uma hora dessas...

Se ele já não fazia questão de se alimentar com comida regular quando estava “normal”, hoje a noite então ele só permaneceu na mesa para nos fazer companhia – exigência do meu pai. Porém, foi só o primeiro de nós dar indícios de que já havia concluído, para que ele se erguesse desanimadamente e se dirigisse até o seu quarto. Ouvimos o ferrolho da porta ser trancado. Minha mãe suspirou.

– Essa situação não pode ficar desse jeito, Jake! – ela disse, se levantando para levar o prato para a cozinha.

– Eu sei. – ele desempenhou um suspiro também – Emmett já está por dentro de quem foram os responsáveis por essa “brincadeira”. Amanhã, eu acredito que as coisas já estarão resolvidas.

– É... Mas ele não vai querer voltar, pai! – sinalizei-o, retirando o garfo que eu estava passeando pela boca – Vocês sabem disso, né?!

– Nós estamos cientes do fato, Lilly! – ele começou a se preparar um café. Minha mãe reapareceu no arco da cozinha com a sala de jantar:

– É natural que ele precise passar um ou dois dias em casa, depois de hoje... Mas largar o colégio está fora de cogitação, e ele já sabe bem disso!

– Meu bem – meu pai suspirou outra vez, transigente –, não é como se ele tivesse uma “obrigação” em ir ao colégio... Eu achei que nós estivéssemos fazendo isso mais por diversão.

– E estamos.

– Então...?!

Ela retornou para a mesa.

– Jake, Jared é novinho ainda... Se nós incentivarmos essas reações dele a qualquer coisa ruim que aconteça, ele vai crescer um ser humano incompleto.

– Bom, tecnicamente falando, ele não é um ser humano, e nem tem mais pra onde crescer! – meu pai fez graça, mas ela cerrou os olhos de leve:

– Você me entendeu...

– Ok, pessoal – acabei minha lasanha, então me preparei para levar minha louça para a pia também –, o papo está muito interessante, mas eu peço licença por que também preciso arejar minha cabeça. O meu dia não foi exatamente do jeito que eu planejava...

Deixei os dois, ainda discutindo teorias sobre criação de filhos, enquanto me dirigi para o cômodo ao lado.

A janela sobre a pia estava aberta e uma brisa noturna suave alisou o meu rosto. Exatamente agora, “alguém” do outro lado de La Push deveria estar terminando o seu jantar também. Senti um arrepio, e não foi pela brisa. Pensar em Seth me levava à beira da constipação às vezes... Quase que a louça foi ao chão! Eu tinha que me controlar – já havia me dito isso meio milhão de vezes hoje, então praticamente se tornou um mantra que me ajudava a reaprender como se respirava direito.

Depositei os pratos junto com os da minha mãe e abri a torneira. Na nossa escala, hoje deveria ser o dia de Jared lavar a louça do jantar. Mas, obviamente, ele não cumpriria com a tarefa dessa vez, então os pratos sobrariam pra algum de nós mesmo. Para qualquer pessoa que chegasse à uma casa como a nossa e se perguntasse a razão de ainda não termos uma lava-louças, nós daríamos uma desculpa absurda do tipo “lava-louças não substitui uma lavagem manual!”. Mas a verdade era que nós apreciávamos qualquer tipo de atividade que trouxesse um pouco de “humanidade” pra as nossas vidas – um hábito incentivado especialmente por minha mãe. Eis a razão para a escola.

Mas o meu irmãozinho não pensava muito como a gente. Ele tinha um caso de amor consigo mesmo e com sua natureza insuportável. Sempre estava no topo de suas prioridades. Tudo bem, eu admito que ele era, no geral, muito responsável e, quando eu precisava – não poucas vezes –, ele acabava me ajudando, mesmo que demonstrasse má vontade no início. Nessa área, eu é que tinha mais dificuldades em retribuí-lo, de fato. Mas, no quesito “dar preocupação aos nossos pais”, eu tinha a leve impressão de que ele ganhava de mim.

Sim, por que os dois estavam sempre se preocupando em não pressioná-lo. Em não chateá-lo. Em não contrariá-lo. Resumindo: em estragá-lo! Graças a isso, o cara era um completo bebê até hoje...

“Será que dava pra me dar um desconto, pelo menos agora?!” – ele me ouviu. Droga, eu precisava reaprender a controlar isso...

– SAI DA MINHA CABEÇA, QUE EU TE DOU UM DESCONTO, SEU CHATO! – nem é preciso salientar que o meu volume de voz foi altíssimo.

“Você acha mesmo que, se eu tivesse outra escolha, estaria te pedindo isso com tanta delicadeza?!” – sua voz estava tão sem ânimo que eu nem tive saco pra retrucar mais.

Terminei a louça em 20 minutos – tínhamos que lavar numa velocidade “comum”, afinal, o objetivo era exercitar o nosso lado humano – e me dirigi à sala de estar.

– Lilly! – minha mãe me lançou aquele tom de sobreaviso, insatisfeita com a minha falta de compreensão com o “queridinho” dela.

– Ah, mãe... Você age assim por que não vê o quanto ele é perverso comigo. E nem poderia...

Emburrei a cara e larguei o corpo sobre o sofá – já acostumado à minha forma nada delicada de me “sentar” nele. O Joystick do videogame estava jogado no chão ao meu alcance, então o catei e apertei o canal certo no controle remoto da TV. Não tínhamos muitos jogos legais em que eu pudesse me divertir sozinha. Que saco... o bebezão fazia falta nessas horas!

– Pai, vem jogar comigo?! – implorei, com voz de criança. Era uma filha plenamente consciente de que ele sempre teria sérias dificuldades em me negar qualquer coisa, quando eu fizesse denguinho. No entanto, dessa vez, eu não obtive o sucesso esperado:

– Me desculpe, Lilly... – ele se aproximou apenas para me entregar um carinho na cabeça – Mas é que eu prometi à sua mãe que a levaria para passear na reserva hoje à noite. Eu sinto muito mesmo, minha princesinha!

– Ah, tá... – se eu já estava emburrada antes, consegui ficar ainda mais. Eles dois ainda achavam que eu não sabia exatamente o que eles faziam nesses “passeios”... – Enfim, o que se pode fazer, não é mesmo?!

Ele puxou minha cabeça pra trás e depositou um beijo na minha testa.

– Seja boazinha, filha. Amanhã, eu prometo que jogo com você até nossos dedos caírem, está bem?! – exagerou ele, e muito.

– Tá, tanto faz, pai...

Escutei seu riso. Durante esse nosso breve papo, minha mãe se trocou como um foguete e reapareceu na sala, pronta para partir.

– Já estamos indo, filha. Cuide do seu irmão! – ela me instruiu, puxando meu pai pelo braço.

– Ah, isso é que não! – fiz questão de deixar bem claro. Ela nem se afetou, já me conhecia.

– Não durma tarde, criança!

– Bom “passeio”, pai! – desejei, com um tom maldoso. Ele revirou os olhos – Pra você também, mãe!

Ela ainda disse “obrigada”... Estava com tanta pressa que nem percebeu a minha ironia. Depois que os dois saíram pela porta, eu tive um vislumbre horrorizante causado por essa minha brincadeirinha atrevida. Bem feito pra mim... nunca mais faria gozação a respeito disso, nem com eles, nem com ninguém.

E o pior foi que a avalanche constrangedora trouxe consigo a lembrança de Seth na minha cabeça outra vez. Droga... mas que droga! Eu precisava esquecer esse garoto – pelo menos, por algum período satisfatório de tempo no decorrer do dia.

“Aleluia!” – Jared, o insuportável, não poderia deixar essa oportunidade passar.

Ignorei-o, colocando um jogo qualquer no console, depois me estirei toda no sofá. Aquela seria uma longa noite...

~~

“Seth... Seth... Seth...”!

Sem exagero, eu estava correndo um sério risco de me apaixonar por esse cara também, por lavagem cerebral! Eu compreendo que as garotas sejam meio problemáticas às vezes... Mas, no caso de Lillian, a coisa já estava tão fora dos limites toleráveis pela ciência, que nem ela própria se agüentava mais!

Enfim... Não importava o quanto a minha jovial mãe seria desfavorável: eu nunca mais retornaria àquela escola na minha vida. Já tinha cumprido a minha parte: permaneci um dia inteirinho naquela jaula, como uma boa pantera – além do bônus de ter sofrido um atentado violento ao meu ego. Ainda não era o suficiente?! Será que eu teria de aparecer com a cabeça raspada, ou travestido de freira numa próxima vez, pra que eles se convencerem de que essa palhaçada já tinha ido longe demais?!

Céus, isso não fazia sentido nenhum. Se era só pelo aprendizado, eu concordaria numa boa em receber aulas – à distância, se possível – de um professor particular então. Mas eu sabia que não era só por isso... “Temos que passar por todas as experiências humanas possíveis!” foi o argumento principal deles. Bom, se continuássemos nesse ritmo, eu ia mesmo ceder à mais extrema delas, muito em breve: o suicídio! Depois de hoje, eu até comecei a compreender um pouco o que se passava na cabeça dos adolescentes que fizeram isso. Ir ao colégio todo dia é algo letal – senão para o corpo, então para a mente!

Sentia muito pelo Fred, de verdade. Ele era legal e, provavelmente, se sentiria frustrado com o meu abandono às aulas. Mas seria um sacrifício grande demais pra mim... Eu poderia muito bem dar um jeito de levar a nossa amizade adiante, mesmo não estudando mais com ele. Enviaria o meu email por Lilly, já que eles continuariam na mesma classe.

Não... seria uma péssima idéia pedir uma coisa dessas a ela. Essa pirralha poderia entregar meu email à outra pessoa também: Laura West. A modelo fotográfica nova-iorquina esquisita! Não sei o que me deu, hoje mais cedo, mas eu certamente não me deixaria envolver – nem a mim, nem à minha curiosidade – por uma garota como aquela. Quer dizer, não que ela fosse “completamente” desagradável... Certamente, era simpática e, não se poderia jamais esquecer, muito atraente. Mas e daí?! Continuava sendo estranha demais. Misteriosa... Não se sentir “atraída” por mim era, com certeza, um mau sinal naquela “academia de peruas”!

Poxa vida, eu queria saber quando foi que eu me tornei tão narcisista assim... céus!

A essa altura, eu já deveria estar à meia hora me revirando no escuro. A colcha da cama estava totalmente bagunçada e nem sinal de sono da minha parte. Mas também, pudera... ainda nem deveria ser nove da noite. E eu, na verdade, só me tranquei no quarto porque estava sem ânimo para continuar com a minha família. Sabia que o dia deles não havia sido tão ruim quanto o meu e que a minha energia estava arruinando com a oportunidade deles compartilharem tudo uns com os outros. Não gostava de me sentir assim, não gostava mesmo. Aqueles garotos cretinos iam me pagar um dia. Ah, se iam!

Ainda não conseguia acreditar no mole que eu tinha dado. Isso era pra eu aprender definitivamente a não confiar tanto nas minhas habilidades, ao invés de no meu raciocínio e instintos. Se eu pudesse voltar no tempo, teria me imposto quando Emmett me nomeou como monitor da aula, e escolhido a arquibancada para assistir aos exercícios, em lugar de ceder feito um idiota. Assim, eu não teria precisado de ducha nenhuma, finalizaria esse primeiro dia completamente por cima, e, quem sabe, até toparia voltar para uma segunda experiência amanhã. Mas, depois dessa fatalidade – e do fato de que amanhã, a minha imagem recorreria à intervenção de um tio para ser vingada –, eu não poderia mostrar a cara em público antes de mais uns 15 anos, no mínimo. Seria preciso rezar pra que aquele incidente não tivesse uma repercussão muito grande entre o corpo dicente da “ilustre” Forks High School. Isso já seria demais para aturar...

~~

– Lilly.

Ãhn?!... O quê?!... Onde?!... Quando?!... Como?!

– Lilly! – uma mão começou a me sacudir de leve – Acorda, filha, você vai nos atrasar!

Abri os olhos e vi então que já era de manhã, e eu estava miraculosamente deitada na minha cama. Nem tinha percebido a hora em que peguei no sono. Minha mãe estava agora tentando me trazer de volta ao planeta terra.

Nessa confusão toda, ninguém se preocupou em programar um despertador para mim. Se tinha uma coisa que eu detestava era acordar de vez... Pra o alarme funcionar comigo, tinha que ser aos pouquinhos, em doses homeopáticas. Me ergui maquinalmente, produzindo um gemido de depressão. Onde foi parar aquela empolgação toda do dia anterior?! Ah é... o drama do meu irmão tinha pulverizado com ela!

– Vamos, meu amor, se arrume depressa! Estaremos de saída em meia hora! – ela deu seu aviso, depois se retirou.

Ah, ótimo... Além de acordar no susto, ainda teria que me arrumar dentro desse prazo ínfimo – sem contar que a minha suíte estava toda em ruínas, graças ao meu espetaculozinho da manhã passada! E daí se eu sou dotada de super velocidade?! Acima de tudo, eu sou mulher, e um tempo digno para o make-up é o mínimo que se pode pedir! Mas eu nem poderia reclamar demais... afinal, eu estava no time dos defensores do colegial, então necessitava ficar de bom humor. Além do quê, já havia aprendido minha lição número 1: não exagerar na produção!

Consegui me aprontar satisfatoriamente em 35 minutos e terminei de tomar o meu café no caminho, dentro do carro. Jared nem se dignou a nos desejar um bom dia. Permaneceu trancafiado em seu quarto. Garoto egoísta... tinha que fazer todo mundo ficar preocupado com ele, pra conseguir viver feliz!

Após o meu desastroso primeiro dia, eu sinceramente esperava ter resultados um pouco melhores nessa minha segunda oportunidade. Tinha o tempo até a nossa chegada ao estacionamento da escola pra me preparar psicologicamente para encarar Seth de uma maneira natural – ou, se não isso, então pelos menos de uma outra que fosse tolerável. Não foi muito extenso esse meu prazo de preparação... Meu pai, assim como meu avô, tinha paixão por velocidade e nós logo chegamos ao nosso destino.

O movimento intenso era o mesmo de ontem. Aliás, parecia um pouco mais intenso... Alguns alunos devem ter deixado para vir somente hoje.

Desembarquei do Porsche. O carro do meu avô já havia chegado antes de nós e estava parado mais adiante. Não demorei muito a identificar o contorno do casaco grafite de Seth, abraçado por sua mochila azul escura.

– Calma, miserável! – eu briguei baixinho com o meu coração, que se desesperou teimosamente.

– Vamos, princesinha! O que está fazendo parada aí?! – meu pai me chamou e eu me dei conta dos meus pés, plantados no asfalto sob mim.

Busquei relaxar e os acompanhei até onde estavam os outros, em meio ao abraço paternal que ele me ofereceu. Era impossível não imaginar como as pessoas ao redor deviam estar entendendo aquela cena – um cara bonitão como o meu pai, desfilando abraçado com duas garotas como eu e minha mãe... Será que, se eles soubessem da verdade, as emoções ao meu redor seriam menos perturbadoras?!

– Bom dia, navegantes! – tio Emmett nos cumprimentou, batendo continência com a mão quando os alcançamos.

– Estou vendo que os senhores estão apenas em três... Mas isso já era de se esperar! – meu avô comentou, com um ar compreensivo.

– Como ele está, Nessie?! Ficou muito deprimido?! – vovó perguntou, dentro dos braços dele. Mas foi o meu pai quem a respondeu, exaltado:

– Que história é essa, Isabella Cullen?! Meu filho é molenga desse jeito, por um acaso?!

Ela ergueu uma sobrancelha maliciosa até o meio da testa:

– Bem, se ele fosse depender só dos seus genes, seria um completo bebê chorão, Jacob Black! Mas ainda bem que nós todos sabemos que ele puxou a Renesmee nesse aspecto... Eu só perguntei por segurança!

– Rá, rá rá! Você é muito hilária, vampira! – ele fez sotaque.

– Muito obrigada, lobisomem!

Esse foi um exemplo básico do esporte favorito das nossas famílias, especialmente deles dois.

Seth estava quietinho em seu canto, participando da conversa apenas com ouvidos educados. Mas ele tinha sempre na atitude aquela pitada de que valorizar a minha atenção era sempre a coisa mais importante em jogo. Desviei o meu olhar, antes que ele o pegasse no flagra, e examinei o perímetro ao nosso redor. O engraçado foi que a primeira pessoa que eu vi foi o tal de Collin Preston, encarando o nosso grupo – meus avós, particularmente –, de cara amarrada.

– Não olhe agora, vó, mas aquele menino que estava te assediando ontem está fuzilando você e o vovô!

Ela apenas sibilou. Porém meu avô, subitamente, teve uma atitude hilária: tomou-a em um beijo repentino e cinematográfico, sem nem se preocupar com a nossa presença – nem com a de ninguém, pra falar a verdade. Meu tio fez uma expressão cômica e abandonou de fininho o nosso grupo, indo para as dependências dos professores – ou, simplesmente, para longe –, enquanto que o resto de nós permaneceu no aguardo de que a cena deles acabasse. Quando ele viu que já era o suficiente – uns vinte segundos depois –, libertou-a, zonza feito uma barata depois da pancada.

– Acho que, depois dessa, você não vai mais ter problemas nem com aquele cara, nem com nenhum outro, Bells! – meu pai fez gozação e meu avô lhe estendeu um cumprimento parceiro. Às vezes, eles pareciam duas crianças quando estavam juntos.

– Sem dúvidas, mãe! – a minha mãe não contribuiu para que a dela ficasse menos sem graça.

– Você acha isso bonito, Edward Cullen?! – ela largou um tapa no abdômen dele, que se contraiu um pouco – Eu não vi graça nenhuma, tá legal...

– Meu bem, não seja tão tímida... – ele manteve o tom brincalhão, depois se dirigiu a nós – Se ela não fosse vampira, estaria toda coradinha agora. Era uma das minhas partes favoritas no fato dela ser humana. Mas, hoje em dia, ela me compensa de outras formas... – ele disse, bem sugestivamente. Os olhos dela quase saltaram das órbitas.

– Pai! – minha mãe, todavia, conseguia corar muito bem.

– Vovô! – eu também defendi a minha virtude auditiva na conversa, possivelmente corada como ela. Só eles, homens, riram. Esses machos...

O sinal das aulas tocou. Meu avô tentou aproximar os lábios inocentemente da testa de sua amada, dessa vez pra se despedir apenas. Mas ela se esquivou e escapuliu antes que ele conseguisse, depois fez um gesto de ameaça – que ele interpretou de uma forma romântica, apesar disso. Entramos juntos e ele foi embora em seu carro de luxo. Basicamente, a mesma coisa de ontem, só que com o abono de Jared não estar me enchendo o saco dessa vez. Vivas! Seth, no entanto, permanecia com a sua incansável solicitude.

– Deixa eu carregar as suas coisas, Lilly! – ele me pediu, antes que chegássemos aos corredores.

Nesse ponto, nossos grupos se dividiram e foi só então que eu me dei conta de uma coisa importantíssima no fato de o meu irmão não estar presente: isso deixaria a mim e ao Seth sozinhos o tempo todo. Sozinhos, sim, por que a atenção que aquele garoto me dispensava me fazia sentir completamente em evidência existencial no universo! Parecia não restar nada mais ao meu redor, quando eu olhava bem no fundo daqueles olhos castanhos e serenos.

“Deus do céu... Que tortura, garota! Vai ocupar essa mente com alguma coisa útil!”

Falei cedo demais... Lá estava o imbecil do meu irmão, dando o ar de sua desprezível graça! Se não fosse por Seth ter tido o reflexo de me segurar pelo braço, eu teria tropeçado de raiva nos meus próprios pés e caído com a cara no chão do corredor lotado.

– Você está bem, Lilly?! – ele era um incansável.

Mas eu, no entanto, já estava esgotada demais pela turbulência sentimental. Respondi inanimadamente com a cabeça e continuei andando em silêncio, meio metro na frente dele, até que chegamos à sala.

De fato, havia mais gente ali dessa vez. Mas a nossa carteira na dianteira da classe ainda estava vazia, nos esperando. Me sentei sem pressa alguma e recebi minha mochila de volta das mãos cuidadosas de Seth. Um garoto, de repente, escorou os cotovelos sobre o tampo, ficando com o rosto a poucos centímetros do meu. Era o encrenqueiro de ontem, que, muito provavelmente, também comandou a brincadeira de mau gosto contra Jared nos chuveiros. Me retesei com sua aparição despropositada e a proximidade nada agradável entre os nossos narizes.

– E aí, gatinha?! – ele piscou um de seus olhos cinzentos para mim, ignorando totalmente a segunda presença ao meu lado – O seu irmãozinho não veio hoje... Que pena, espero que ele não tenha se zangado muito. Eu e os caras ainda tínhamos algumas coisinhas planejadas pra as boas-vindas dele!!

Engano meu... não foi uma aparição despropositada. Ele estava era a fim de tirar um sarro. Era, possivelmente, um exemplar perfeito de “atleta estúpido” que o meu avô havia mencionado ontem, no carro. Sinceramente, eu não estava esperando topar com um assim, logo de cara (literalmente)!

– Eu, se fosse você, me preocuparia apenas em ficar bem quietinho de hoje em diante. Tenho a impressão de que a sua batata ainda está pra assar, colega! – lancei a ameaça, com um tom de voz que considerei bastante adequado e sem receio de nada. Mexer com meu irmão até que dava pra entender, mas eu não acreditava que ele tentaria alguma gracinha comigo, então...

Sua atitude nem se abalou. Pelo contrário, ele me pareceu ainda mais cheio de confiança:

– Quanto a isso, eu nem tenho mesmo com o que me preocupar. Nesse colégio aqui, eu faço tudo o que eu quero, fofinha! – ele vomitou essa idiotice, depois projetou a mão para vir de encontro ao meu queixo.

No entanto, o gesto absurdo foi barrado pelo movimento veloz e eficaz de Seth, que esperou para agir apenas no momento necessário:

– Se afasta, engraçadinho! – ele ordenou com autoridade, sem perder a classe apesar disso. Todo mundo parou para ver a cena nessa hora, obviamente.

Me alarmei um pouco pelo que aquilo poderia desencadear, mas depois confiei na percepção de Seth e endossei sua ordem, com a face firme em uma expressão de desaprovação ao garoto. Ele, que até agora nenhum de nós conhecia pelo nome, viu sua mão a ponto de quebrar e cedeu a uma careta de dor. Seth, então, o libertou.

Os dois trocaram um olhar – no caso de Seth, de prevenção; no caso do garoto, de ameaça –, então a cena acabou: ele nos deixou em paz e voltou para a sua rodinha de imbecis iguais a ele. Dali a pouco, o bando começaria a emanar seu ódio para nós.

Relaxei outra vez na cadeira e Seth liberou um suspiro frustrado. Ele odiava profundamente se utilizar da força para se fazer entender.

– Me desculpe por isso, Seth! – pedi, insatisfeita.

A expressão de seu rosto se transfigurou imediatamente, e ele me sorriu um sorriso franco:

– Nem se atreva a pedir desculpas por isso, Lilly. Eu não podia deixar aquele covarde se aproveitar de você! A culpa não foi sua.

A ternura em sua voz fez meu coração trepidar e meu estomago ter uma revoada de borboletas absurda!

“Ok, só por que você me defendeu direitinho, eu prometo que não vou mais te encher o saco por hoje! Mas, por favor, tente pegar mais leve com esses pensamentos aí, Lillian... Eu não tenho culpa de você estar apaixonada!” – Jared invadiu minha cabeça pela última vez, realmente.

Ai ai ai, garoto... Ele era outro que só podia estar tentando me deixar maluca! Mas, diante do seu pedido encarecido, eu só consegui rir.

– O que foi?! – Seth perguntou, com uma expressão divertida.

– Ãhn?! – despertei do meu mundinho – Ah... nada, Seth! É apenas – apontei o dedo indicador para a minha cabeça – Jared!

Ele fez que entendeu e alinhou aqueles dentes perfeitos e brilhantes outra vez.

Ok, ok... Pra ter meu sossego telepático de volta, eu teria que me controlar, tudo bem! Fechei os olhos. Concentração, Lilly, concentração!

– Bom dia, gente! – uma voz feminina conhecida nos cumprimentou e eu reabri meus olhos.

– Bom dia, Laura! – Seth retribuiu primeiro.

– Olá, Laura! – vim logo na seqüência, satisfeita por reencontrá-la.

Ela estava vestindo roupas muito bonitas. Despojadas e alegres, exatamente como cabiam à sua personalidade, pelo pouco que eu já conhecia dela.

A expressão de seu rosto, contudo, ficou séria de repente:

– Eu ouvi uns boatos agora a pouco, no pátio, sobre o que aconteceu com o Jared no vestiário masculino ontem. Imaginei logo que não o encontraria por aqui hoje...

Seth e eu nos entreolhamos, surpresos. Então os boatos já estavam correndo assim...?!

– É, ele ficou bem chateado. – Seth disse – Tinha algumas coisas na mochila dele que ele não poderia ter perdido de jeito nenhum, ao que parece...

– Mas nada se pode fazer para encontrar os pertences dele?! – ela questionou, insatisfeita. A garota, aparentemente, desenvolveu uma sincera afeição pelo meu irmão no curto espaço de um dia. Era de se admirar!

– O professor de educação física é nosso tio. Ele vai comunicar à direção o que aconteceu e delatar os responsáveis! – anunciei a ela – Agora, se será possível recuperar as coisas de Jared, aí eu já não posso ter certeza... O pobre está falando até em não vir mais à escola, definitivamente.

– Sério?! – ela não conseguiu disfarçar uma pitada de decepção com a notícia, mas depois recobrou a impessoalidade – Poxa, isso é uma pena... Não deveria ser o inocente a ter que pagar pelas ações dos culpados.

Senti vontade de rir, mas me segurei.

– Se você quiser, eu posso te passar o email dele! Talvez ele necessite mesmo de um incentivo para voltar às aulas. – ofereci essa opção, à qual ela reagiu com uma expressão desconcertada. Seth riu das minhas intenções ocultas, e eu vi que seria necessário “inocentizar” um pouco mais a minha oferta – Um parecer que não seja nem o meu, nem o da minha família, pode ajudá-lo a acreditar que está tudo bem de fato, e que ele pode retornar sem problemas, entende?!

– Ah, claro! – ela esboçou um sorriso quase aliviado, eu poderia dizer – Abandonar as aulas assim vai ser muito prejudicial pra ele, principalmente por não haverem outras escolas muito próximas na região. Além do mais, se ele faltar às aulas, vai dar a impressão errada de ter sido “derrotado” pelos idiotas que fizeram isso com ele.

– O que não seria completamente mentira, cá entre nós, não é?! – eu pisquei pra ela e isso a fez dar um sorriso um pouco mais descontraído.

– Pode ser!

O professor chegou à sala, encerrando o nosso papo. Laura se dirigiu à carteira atrás da nossa, e então notei que o seu parceiro era o garoto que havia esbarrado em meu irmão ontem. Fred, eu acho que ouvi Jared dizer... Parecia ser um menino simpático, apesar de bastante tímido. Não acreditava que Jared seria mesmo capaz de abandoná-lo assim, sem dar nenhuma satisfação.

Deixei minhas considerações pra lá, a aula de química aguardava por nós. O professor Moretti era a simpatia em pessoa. Brincou com a turma, fez todo mundo se apresentar – sorte de Jared, não estar presente dessa vez... ele detestava essas coisas – e anunciou seu programa acadêmico para o 1º semestre. Nessa oportunidade, eu e Seth podemos descobrir, finalmente, o nome daquele sujeitinho desagradável: Adam Ferdnand. Anotei num papel, para não esquecer nunca mais. Esse nome acabara de entrar para a nossa lista negra.

~~

Com meus pais e irmã na escola, confesso que o ambiente da casa ficava bem menos aconchegante. Porém, nada me prendia ali e eu me preparei para ir de encontro à floresta, assim que o sol esquentou um pouco. Engraçado como a chuva resolveu dar uma trégua justamente hoje, o dia da minha reintegração à liberdade. “Obrigado, natureza!” – elogiei a paisagem do nosso quintal, antes de sair. Já no caminho, efetuei então a transfiguração.

“7... 8... 9... 10!” – minha mente receptou uma vozinha infantil, finalizando uma contagem com empolgação “Prontos ou não, lá vou eu!”

Depois de grande, “pique-esconde” começou a me parecer uma brincadeira bem inútil. Mas, para os pequenos, essa era uma atividade perfeita para desenvolver os instintos de caça e patrulha. Harry, Matthew e Quynton estavam brincando na floresta agora, provavelmente a poucos metros de onde eu estava.

“Ei, quem está aí?!” – Quynton questionou, alerta.

“Sou eu, meninos, Jared... Black!” – era preciso esclarecer, já que eu não era o único Jared do pedaço.

“Oba” – Matthew já se animou – “Você veio brincar com a gente também?! Está na vez do Quynton procurar...”

“É, tio...” – Harry não perdia nunca essa mania tosca de me chamar de tio – “Se esconda!”

“Está bem, eu brinco com vocês um pouquinho... Mas depois, vou precisar ir embora. Quero ir a um outro lugar.” – concordei, já me dirigindo até o campo onde os três brincavam.

“Que lugar?!” – Quynton quis logo saber.

“Nós podemos ir também?! Mamãe e papai nos deram o dia livre...” – Matthew foi o próximo.

“Numa outra ocasião, talvez... quando vocês forem um pouco mais velhos!” – me senti o próprio, dizendo isso.

“Ah!” – eles todos choramingaram, num coral desapontado.

Mas, de fato, eu nem sequer poderia mentalizar o local a que eu me referia, enquanto estivesse como pantera... Eles não sairiam mais da minha cola até o final do dia, se tomassem conhecimento de para onde eu pretendia ir. Guardei meus planos pra mim mesmo e dei início à minha participação na brincadeira.

Permaneci com eles até que o sol ficou no ponto mais alto do céu, então parti para o meu destino inicial. Já perto de chegar, me transfigurei de volta e vesti o calção de banho, que havia deixado pra mim mesmo em um esconderijo numa árvore oca, da última vez em que estive ali. Seria bom antecipar meus saltos na mente com liberdade, antes de alcançar o ponto que desejava: a pedra do urso! De todos os picos da região, esse era o que eu mais gostava, por que ficava localizado numa praia desértica e sem muitas pedras. Ou seja, o cenário ideal para os mergulhos exibidos que eu tanto adorava fazer, pra relaxar.

Depois de devidamente vestido, corri até a beirada do pico e examinei a maré abaixo de mim, só por garantia: estava alta o suficiente para o meu exercício. Excelente. Não sei como alguém poderia discordar de que aquele, sim, era o meu lugar. Um capital institucionalizado jamais seria páreo para as glórias da natureza.

Respirei fundo então e fechei tranquilamente os olhos. Antecipei uma última vez em minha cabeça o que desejava fazer e, no segundo seguinte, avancei o meu corpo para frente, reabrindo meus olhos de soltando um berro delicioso de contentamento. Estava voando.

10 comentários:

  1. Amei rayy! tah muito bomm....
    posta logo!
    bjos, CAMILA SOGUIM

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  2. Aaai que lindo! quero mais! sua fic é perfeita!
    bjos :**

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  3. oi querida só vc escreve desse jeito peculiar,e só vc vê as coisas assim.Ray ficou surpreendente,magnifico,expetacular,brilante,envolvente,cativante,estraordinario e excpicional (SIMPLISMENTE PERFEITO)amore se tiver erros ortograficos me descupe é por causa da emoçao q senti ao ler (sabe eu devia ter lido no outro dia isso sim teria me animado de verdade)pois vc escreve com maos de FADA...... Ray obrigada pela leitura incrivel com q vc nos proporcionou eu amei de um tanto q ate as palavras pra te elogiarem se misturaram na minha mente q nem sei se tinha mas palavras no meu vocabulario pra te dizer.........................................ENTÃO EU SÓ TENHO À DIZER PRA VC É (OBRIGADA AMIGA E CONTINUI ESCREVENDO PRA ALEGRAR NOSSOS DIAS)um montão de beijos beijinhos e beijões pra você....ainda tinha mais .......beijossssssssss

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  4. Maaaaaaaraaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!! Quando vem a parte 2????? Bjks. Eu

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  5. Maravilhoso!

    Ah! Está perfeito!
    Nunca mude este modo tão belo e singular que você tem ao escrever.
    Quero ler a sua história original, ei?! Faça um blog e poste está história. Quem sabe que... com um original você chame a atenção de algum editor?
    Beijos.

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  6. AAh, tá ótimo, to amando !
    Você tem um belo talendo querida
    queria eu saber escrever bem assim.
    Parabéens, e agora poste a parte 2 !

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  7. Ta muito bom eu adorei continua a posta mais!Concerteza eu vo ler

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  8. To adorando Ray,posta logo a continuação,to curiosa!! Bjss

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  9. como , querida vc tem que terminar esta ficando otima.

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  10. Voce tem que voltar a escrever :( sua fic é otima!

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