quinta-feira, 16 de junho de 2011

Capítulo 02 - Fujindo de Você


... Ai... Ui...

Sinto o meu corpo todo confuso... Se não fosse por esse peso na cabeça e essa pressão estranha na região do abdômen, eu diria que estou flutuando! É assim mesmo que acontece, quando a gente morre?! Bem, não é que eu esteja reclamando, nem nada disso... Mas morrer não significa descansar?! Sendo assim, porque eu me sinto tão desconfortável agora?!

Não, é bem possível que eu ainda esteja vivo. A dor já deve estar em um estágio tão avançado, que eu já nem a sinto mais, é isso. Preciso abrir meus olhos. Preciso abrir meus olhos, e me concentrar em como ir embora deste fim de mundo.

Mas os meus olhos parecem estar colados um no outro. Devo ter ficado desacordado por muito tempo. É um milagre nenhuma fera selvagem ter me comido ainda... Meu corpo ficou dando sopa aqui a noite inteira, muito provavelmente. Vamos, olhinhos, se abram... se abram... se abr-

MAS, QUE DIABO! PORQUE EU ESTOU PENDURADO EM CIMA DE UMA ÁRVORE?!

Meu primeiro instinto, ao abrir completamente os olhos e perceber onde estou, é agarrar os braços em volta do largo tronco que esteve me sustentando pelo abdômen todo esse tempo. Não posso acreditar em como eu consegui não despencar dessa altura toda até agora... Sou uma pessoa de sono agitado, não sou desses que dormem e acordam na mesma posição, não sou mesmo! Não vejo como irei conseguir descer daqui sozinho... Definitivamente, precisarei de ajuda. Mas onde encontrar ajuda nesse lugar?! Onde?!

De repente, em meio à minha confusão, começo a ouvir ruídos se aproximarem do local onde estou. São passos... passos humanos, tenho quase certeza – ou apenas quero ter certeza. Lentos e despreocupados, um após o outro eles parecem cada vez mais próximos da árvore. Me pergunto quando eu comecei a ser tão analítico em relação à detalhes sem importância. Logo em seguida, preparo meus pulmões e garganta para gritar por socorro.

Mas antes que eu precisasse gastar energia com o grito, eis que diante da árvore, surge uma figura absolutamente... fascinante! De repente, me vem aquela dúvida outra vez se estou vivo ou morto, por que essa criatura embaixo de mim, com uma beleza tão etérea, não pode ser outra coisa que não um anjo!

– Uau, que linda... – solto essa frase sem perceber, como um suspiro espontâneo. A garota sorri de volta, aparentando ter gostado do elogio, e o sorriso consegue deixá-la ainda mais bela e resplandecente. Mas o “anjo”, subitamente, fala a mim, e então tudo fica negro como noite de tempestade:

– Você ainda não saiu daí, dorminhoco?! Anda logo, desce de uma vez!

Aquela voz! A mesma voz do templo!! Essa maldita voz que toda vez me leva a beira de enfartar!!!

A revelação é tão chocante, que eu acabo afrouxando os braços do galho sem perceber, e então despenco que nem uma manga madura. A altura do galho até o chão não devia ser menor do que 4 metros, mas minha aterrissagem no solo não é tão brusca quanto antecipei. Apenas um leve tombo, como um tropeço sem maiores prejuízos. É, foi prático!

Surpreso, mas satisfeito por ter conseguido descer, ergo-me depressa e limpo as folhas do meu corpo, um tanto quanto envergonhado por ter me acidentado na frente dessa garota. Mas pensando bem, ela com certeza não é a mesma mulher de ontem. Não pode ser... Aquilo foi apenas uma alucinação minha, não tenho nem dúvidas. Coisas daquele tipo não acontecem no mundo real! Eu estava apenas estressado demais, só isso. Suas vozes são parecidas, e nada mais.

– Q-Quem é você?! – pergunto, meio receoso. Ela sorri abertamente outra vez.

– Fui eu que te encontrei. Você caiu do barranco. Eu te trouxe pra cá!

– Ah, sei... – de repente, imagino aquela garota aparentemente tão frágil e delicada, tendo que me carregar na garupa de suas costas, do barranco até aqui. Fico sem graça diante da constatação lógica dos fatos... – Eu te peço perdão, não me lembro de muita coisa, depois que rolei do barranco... Mas como eu fui parar ali em cima da árvore?!

– Hmm, o cachorro selvagem estava querendo te comer, então eu coloquei você lá!

Ok... legal... MAS HEIN?!

– V-você me colocou lá em cima?! Sozinha?! – pergunto, tendo que me esforçar um pouco para não rir. Ela confirma, balançando a cabeça afirmativamente.

– Eu espantei ele para o outro lado, então voltei pra vigiar você, mas você já estava acordado!

– Você “espantou” um cachorro selvagem?! – é impressão minha, ou essa conversa está ficando cada vez mais estranha?!

– Aham! Ele não vai mais voltar pra esse lado, pode ficar tranqüilo. – diz ela, com a cara mais limpa.

Sei, tranqüilo... Como é que dá pra ficar tranqüilo numa situação dessas?! Caí de um barranco e agora estou perdido no meio do mato, com a menina mais linda e estranha que eu já conheci na vida. E ainda teve aquele incidente bizarro com aquela voz lá no templo, ontem à noite. Se existe alguém capaz de ficar tranqüilo diante disso tudo, essa pessoa merece os meus sinceros parabéns!

– Mas quem, exatamente, é você?! E de que buraco você saiu?! – pergunto, um tanto quanto alterado. Ela não parece se importar, pelo contrário, sorri outro de seus sorrisos estonteantes, dificultando a minha concentração.

– Essa não é a primeira vez que nos encontramos.

– Não?! – sou pego de surpresa pela sua afirmação. Eu, com certeza, me lembraria de já ter visto alguém como ela antes.

– Não. Nós nos conhecemos ontem.

Do nada, um arrepio percorre a minha espinha ao ouvir a menção da palavra “ontem”.

– O-Ontem “no templo”, você diz?!

– Aham!

Então, eu estava certo... Ela tem a mesma voz porque era ela mesma, me aterrorizando lá no templo! Rá, mas eu deveria ter desconfiado que tinha alguma coisa muito errada nessa história...

Tudo não passou de uma simples pegadinha!

– Ah, e por falar nisso, obrigada pela ajuda. Você foi muito útil! – diz ela, na maior cara de pau.

– Muito útil?! SUA VÂNDALA, COMO SE ATREVE A AGIR ASSIM, TÃO CASUALMENTE?! VOCÊ DEVIA ERA ESTAR ARREPENDIDA DE TER ME FEITO FAZER AQUILO COM AQUELE DESENHO. POR SUA CULPA, EU POSSO SER PRESO, SABIA?! VOCÊ É ALGUM TIPO DE MALUCA, POR ACASO?! POR QUE EU TÔ COMEÇANDO A ACHAR QUE SIM! MAS QUEM VOCÊ PENSA QUE É, PRA ME ENVOLVER NESSA SUA LOUCURA?! HEIN?!

Depois desse meu ataque de histerismo, eu sinceramente espero que ela esboce um mínimo de arrependimento pelo que ela me fez fazer. Mas, para o meu choque, ela faz outra vez o que de melhor soube fazer agora: sorrir! Aparentemente, ela ainda é capaz de enxergar algum lado cômico nessa situação absurda.

– Eu... sou uma Gumiho*! (*lê-se “Gu-Miu”, tradução: raposa de nove caudas).

– Q-Quê?! – é só o que consigo dizer, depois daquela afirmação sem pé nem cabeça.

– Gumiho. Eu sou uma Gumiho!

Só pode ser brincadeira, mesmo...

– Quando você diz “Gumiho”... você fala daquela lenda antiga, da raposa que queria ser humana, mas foi aprisionada pela avó dos três deuses, após ter vindo ao mundo real como mulher e não ter conseguido encontrar um marido?!

Finalmente, ela esboça uma atitude menos descontraída. Mas não como se estivesse envergonhada por contar uma mentira tão sem cabimento, ou arrependida por ter me usado pra fazer vandalismo... Ela aparenta estar chateada. Triste.

– Sim, essa mesma. Eu sou essa Gumiho da lenda! – sua voz soa estranha ao adquirir um tom mais abatido. Porém não me dou por satisfeito, mesmo assim. Quero vê-la admitir diante de mim o seu erro, ou a sua falta de sanidade mental.

– A Gumiho que, segundo a lenda, comeria o fígado de seu marido, na noite de núpcias?! Essa é você?!

– Nã... é, quer dizer, sim. Eu sou ela, já disse! – não sinto firmeza em sua afirmação dessa vez. Ela demonstra contrariação... Seu nível de loucura deve ser leve. Resolvo seguir o jogo dela. Já diz aquele velho ditado: “não se deve contrariar gente doida!”

– Ok, senhorita “Myu”, posso chamá-la assim?! – não espero realmente uma resposta ao perguntá-la, mas o que eu disse parece renovar os seus ânimos outra vez, e ela consente animadamente com a cabeça – Ótimo, então! Bem, Myu, se você é mesmo uma raposa de nove caudas, então me prove: me mostre as suas caudas.

Outra vez, observo ela ficar sem jeito diante de mim. Bingo! Te peguei, sua punkzinha!

– Eu até que gostaria, – ela interrompe a minha festinha interior – mas o caso é que as minhas caudas só aparecem à noite, sob o luar. De dia, é impossível. Sinto muito!

Ok, devo admitir que ela conseguiu se sair bem dessa vez. Mas eu ainda tenho mais cartas escondidas na manga.

– Muito bem, que seja! Então... se você estava mesmo ontem à noite comigo, lá no templo, você vai poder fazer isso: me diga o que eu estou nesse exato momento, como fez lá!

NÃO PODE MOSTRAR SUAS CAUDAS UMA OVA, SUA DOIDA VARRIDA. GUMIHO É O CARAMBA, VOCÊ É UMA FUGITIVA DO MANICÔMIO, ISSO SIM! DE QUE ADIANTA SER TÃO LINDA... ATÉ ESSE SEU VESTIDINHO BRANCO E CAFONA TE DENUNCIA. VOLTE PARA O ALÉM, BICHO ESTRANHO!

Ela fica em silêncio. A-há, vitória!!

– Não me diga que isso também só pode ser feito à noite?! – provoco. Agora eu quero ver você sair pela tangente outra vez.

– Na verdade... eu não posso mais ler pensamentos. Ao menos, por enquanto...

– Ah não?! E porque não pode?! – rá, só quero ver.

– Por que eu dei a minha gota pra você, ontem de noite! – ela me diz, com entusiasmo. Essa desmiolada realmente espera que eu entenda do que raios ela está falando?!

– “Gota”?! Como assim, “gota”?! O que isso significa?

– A “gota da raposa”! É uma parte fundamental do meu corpo, que me permite fazer algumas coisas especiais, do tipo ler pensamentos... Te dei ela, pra que você não morresse por causa dos ferimentos da queda no barranco. Por isso, você não deve estar sentindo dor agora. Ela está te curando por dentro. Em outras palavras, te dar a minha gota significa que eu te salvei!

De repente, até a própria queda no barranco começa a me parecer mais com uma alucinação, porque o que ela disse é mesmo verdade: eu não sinto um mínimo de dor agora – muito diferente de como me senti, após a queda. E, de fato, eu deveria estar morto agora. Ai ai ai, no final das contas, sou eu que estou emboscado nessa confusão.

– Mas não fique tão decepcionado, não... Eu ainda posso fazer algumas coisinhas que vocês, humanos, não podem! – cá está ela, cantando vitória outra vez.

– O-O quê, por exemplo?!

– Hmm, deixa eu ver... – será mesmo que ela esqueceu? Ou só está tentando inventar algo que me dizer?! Sim, isso é bem provável. Calma, Cha Dae Woong, você não está diante de uma Gumiho de verdade. Essa garota é apenas doida, só isso. Não tem nada com que se preocupar... Ou será que têm?!

– E então?! Não consegue inventar mais nenhuma mentira?!

Ela sorri tranqüilamente pra mim outra vez, e eu só posso engolir em seco diante disso.

– Não é isso. Tenha calma, eu só estava pensando no eu que devo te contar, e no que eu não devo. É difícil, mas deixa ver o que eu posso te contar primeiro... Ah, é mesmo! Eu posso escutar a longas distâncias! Também posso correr depressa, quando quero, e sou muito forte. Capaz de levantar 10 ursos com uma mão só! – ela me mostra os 10 dedos das mãos para ilustrar o que dizia. E eu fico pasmo, com tanto absurdo.

Olha, quer saber, chega de ficar no meio desse fim de mundo, discutindo ladainhas com uma louca varrida.

– Ah, sei... Olha só, Myu, o papo está ótimo e eu realmente gostaria de ficar e prosear mais, porém eu tenho que ir urgentemente atrás de um orelhão pra pedir que o guincho do seguro venha buscar o meu Prius, então eu...

Sua expressão, de repente, fica hilariamente confusa, e isso me faz parar no meio da fala.

– O que foi?!

– Orelhão?! Guincho?! Prius?! O que é tudo isso?!

Kkkkkkkkk, isso só pode ser piada.

– Ah, é mesmo, esqueci que você é uma Gumiho de não sei quantos anos atrás...

– 5 séculos! Eu tenho 500 anos! Pelo menos, que eu me lembre, é isso! Quer dizer, isso contando apenas o tempo que eu fiquei presa naquele desenho...

Ok, 500 anos! Mais uma barbaridade pra acrescentar na lista.

– Tá tá tá, que seja! Eu realmente não tenho mais tempo pra te explicar o que são essas coisas, tenho que ir agora. Então... Tchauzinho, senhorita Myu! Foi bom conhecer você!

Dito isso, viro as costas imediatamente e saio andando pra qualquer direção. Contanto que me leve pra longe “dela”, eu sei que qualquer caminho estará ótimo.

– Ei, – a voz dela soa atrás de mim – você está indo justamente para o lado em que está o...

Nem escuto mais nada. Tapo os ouvidos e disparo a correr que nem um doido. Hehe, adeusinho “raposa”, até nunca mais! Só espero que você ache o caminho de volta até o seu sanatório!

Corro, corro, corro... até que o meus pulmões reclamam por fôlego, e eu então sou forçado a parar. Meu corpo se curva pra baixo, e eu puxo o ar pra dentro com urgência.

De repente, um ruído numa moita adiante de mim me arranca um belo suspiro de susto, e meu coração dá um novo solavanco. Logo em seguida, vejo a figura ferina de um cachorro selvagem atravessar a folhagem e se exibir a mim, pronto para me atacar. Mais essa agora, meu Deus... Acho que foi isso que a garota tentou me dizer, antes. Droga, porque eu tinha que escolher logo esse lado?! O jeito agora é voltar pra onde eu estava...

Me preparo para fazer isso. Uns 10 metros separam a fera de mim. É, se eu for ligeiro, ele não me alcançará. Mas o que eu farei sobre a garota?! Não vou poder deixá-la pra trás...

Êpa, o bicho começou a vir na minha direção!

Não perco mais tempo. Dou meia volta e saio em disparada outra vez. Sinto o desespero de saber que um animal feroz está bem atrás de mim, mas não consigo olhar pra trás. Aish, eu só queria saber voar nessas horas...

Logo após uma curva, a figura da garota surge em minha frente outra vez. Ela se vira pra mim ao me ver chegando, e demonstra alegria, como se soubesse que eu iria voltar de qualquer jeito. Droga, porque tudo parece tão louco e estranho?!

Não diminuo o passo. Apenas espero alcançar o ponto em que ela está parada e daí, agarro o seu braço e começo a arrastá-la pra fugirmos daquele bosque.

Nem sei por quanto tempo corremos, mas o fato é que conseguimos escapar da fera. E mais, acabamos por encontrar o meio fio da rodovia que leva a Seul! Ótimo, agora eu só preciso encontrar um orelhão.

Avisto um logo mais e começo a caminhar, sem nem me importar em recobrar o fôlego dessa vez. Ando alguns metros, até que percebo uma coisa muito estranha: por algum motivo, eu ainda continuo segurando firme no pulso da garota. E ela parece radiante com a minha “preocupação”.

Instintivamente e de maneira brusca, solto a minha mão de seu pulso e me viro para ficarmos de frente um pro outro.

– Você, fique aqui! – aponto o dedo pra ela, como faço lá em casa com a minha cadela DongJa – Vou fazer uma ligação e não quero saber de você por perto!

Ela não se opõe, permanecendo absolutamente serena. Acho que não devem existir muitas loucas por aí que sejam tão tranqüilas como essa garota. Devo ter tido sorte, se é que ainda dá pra pensar assim...

Me encaminho à cabine telefônica de beira de estrada. Primeiro, devo ligar para o guincho. Depois, para o Byung Soo. Não posso me esconder em sua casa... o meu avô sabe onde ele mora! Mas Byung Soo certamente pode me conseguir outro lugar pra ficar, ao menos, por uns dois dias.

Da cabine, olho de volta para... “Myu”. Surpreendentemente, ela permaneceu exatamente onde eu mandei. Nesse aspecto, ela realmente se assemelha a um cachorro. Ou melhor dizendo, “raposa”!

Pronto, Byung Soo me disse que tem um quartinho vazio na cobertura do ginásio do campus, e que vai deixar a chave lá, pra que eu me esconda.

Feitas as minhas ligações, começo a caminha de volta, ao encontro de... Myu. Está na hora de nos separarmos de vez. Aliás, já passou da hora a muito tempo!

– Senhorita Myu. Foi bom conhecer você, mas como eu já disse antes, tenho muitas coisas para resolver. Por tanto, tenho que ir pra casa. E você também deveria voltar para o lugar de onde veio, ok?!

É aí então que eu a vejo ficar assustada pela primeira vez.

– Não, isso não! – ela se agarra no meu braço novamente – Por favor, POR FAVOR, Não me deixe sozinha, Woong!

Tomo aquele susto!

– Peraí... como é que você sabe esse nome?!

– Ah, eu escutei você conversando com o seu amigo. Você se chama “Cha Dae Woong”, não é?! Eu disse que escuto bem à longas distâncias...

É, faz sentido... as pessoas com algum tipo de debilidade tendem a desenvolver bem os outros sentidos do corpo, como uma forma de compensar seus danos. Mas, ainda assim, eu estava a uns 20 metros de distância, pelo menos...

– Ah vai, Woong! Não posso voltar pra onde estava antes. A vovó é muito malvada... vai me deixar trancada outra vez!

– Ai, mas porque eu, hein?! – choramingo, já com os ânimos desgastados por aquela série de confusões.

– É porque... o caso é que... – ela faz uma carinha, que eu só posso chamar de fofa, ao ponderar sobre o que me dizer – Eu gosto de você! É isso! Gosto de você e vou te seguir de agora em diante!

Não sei se foi por lembrar da minha atual situação com o meu avô, mas de repente, suas palavras me fazem imaginar se aquilo tudo não tinha algum fundo de verdade. Pensando bem, ela aparenta ser tão desamparada... Só sendo muito desamparada mesmo, pra se apegar a um completo estranho, como ela estava fazendo agora comigo. E essa avó, hein?! Será que não era uma velha megera mesmo, que maltratava a sua neta, por ser maluca?!

...

Eu não acredito...

Mas o que eu estou fazendo?! Por que raios eu estou me preocupando com isso?!

– MAS É CLARO QUE NÃO! – digo, empurrando bruscamente a sua mão do meu braço. Ela se afasta instintivamente de mim. Por um milésimo de segundo, me arrependo de ter usado a força contra uma garota. Mas foi só por um milésimo de segundo mesmo. Eu logo recobro o foco – Eu já entendi qual é a sua, garota... você é uma pervertida, né?! Olha, eu já vi meninas fazendo de tudo para conseguir arranjar um namorado, mas essa de fingir ser uma louca é novidade! Você devia ter vergonha de fazer isso, sabia?! E não me importa se a sua avó vai te deixar de castigo ou não... pensando bem, talvez você até mereça mesmo ser castigada, pra aprender a não ser uma menina mal-criada!

Por outro breve momento, eu olho pra ela e a vejo esboçar uma atitude mais contida, cabisbaixa, então penso ser em razão de ela estar compreendendo finalmente a falta que cometeu. Mas logo ela reergue os olhos pra mim outra vez, e aí um calafrio potente percorre o meu corpo de um estremo a outro. Seu olhar para mim agora é de verdadeiro rancor e indignação – uma faceta que eu, até então, não tinha visto nem imaginado nela.

– Você... ainda não acredita em mim?! – ela pergunta, com a voz em um tom sombrio.

– N-Não, não acredito! – respondo, bastante hesitante, admito.

– Pois então, vá logo para onde você quer tanto ir!! Mas saiba de uma coisa: eu te encontrarei, onde quer que você esteja, e te provarei que o que eu estou dizendo é verdade. E então, você MORRERÁ!

E então... EU O QUÊ?! Céus, uma maluca está me ameaçando de morte, e tudo que eu consigo fazer diante disso é me calar, feito uma porta!! Meus joelhos, de repente, começam a falhar e ameaçam me derrubar no chão. E os meus olhos, simplesmente, não conseguem se desviar do olhar assassino da garota para mim. Parece absurdo, mas sua frase, de fato, está conseguindo me deixar apavorado. E eu nem sei o porquê... Ela é só uma garota frágil. O que ela pode fazer contra mim?!

NADA! Claro que não! Mas que idiotice a minha...

Sem mais delongas, emprego o maior esforço possível e faço o meu corpo dar as costas pra ela e ir embora dali. Após alguns metros, não resisto à curiosidade e olho de volta. Ela continua lá, parada... me observando partir, com um olhar predador sinistro!

Me forço a ignorá-la e então começo a pedir carona na beira da estrada, me preocupando em permanecer sempre caminhando em frente enquanto isso. Em menos de dois minutos, uma viatura da patrulha civil passa pelo local onde estou e pára ao meu pedido. Apressado, entro no carro e informo aos oficiais pra onde quero ir.

Na segurança do veículo, lanço uma última olhada pra trás, mas dessa vez, já não encontro mais a figura da garota parada na beira da estrada. Ela desapareceu de lá!

Ótimo, deve ter enfim se tocado e voltado pra casa. Tenha postura, Cha Dae Woong, ela é só uma garota problemática qualquer... não vai cumprir ameaça nenhuma. Não vai! Isso é impossível e tremendamente ridículo! Se controle!

No pára-brisas do carro, pingos de chuva começam a bater, pouco a pouco se tornando mais fortes. Curioso, o céu antes parecia tão limpo e ensolarado...

Enfim, depois de 1 hora e meia de viagem, chegamos ao centro de Seul. Desço da viatura e agradeço aos bons oficiais por terem me acudido, em seguida observo o veículo seguir adiante em seu caminho.

Agora é horário de pico, então não vai demorar a passar um ônibus que me leve até o campus.

Dito e certo! Alguns minutos depois, passa um ônibus e eu o pego. O trajeto dura exatos 20 minutos, e então eu desembarco são e salvo no ponto da universidade. Byung Soo me disse que deixaria as chaves no meu armário de vestuário do ginásio de esportes. Já sei até de qual quartinho ele estava falando antes... na verdade, o cômodo não passa de um velho depósito, isso sim. Mas, dada a minha atual situação, qualquer lugar que o vovô não consiga encontrar, pra mim, será o paraíso. Em dois dias, não é possível que o velho não desista de me arrancar o couro!

Pego a chave em meu armário e subo as escadarias do ginásio, até o topo da cobertura. O lugar até que não é mau, olhando com um pouco de carinho. Tem uma varandinha legal, com vista para a cidade toda!

Abrir a porta do “quartinho” e descubro que o interior, claro, está uma zona! Muito mofo e tralha espalhada. Vejo também que o Byung Soo deixou uma mala com roupas emprestadas dele para mim. Esse cara... sempre pensando nos mínimos detalhes!

Talvez o melhor seja eu dormir na sacada da varanda, ao relento, ao menos nessa primeira noite.

Entro para tomar um banho e me trocar. Feito isso, volto à varanda e me deixo ficar um pouco, observando a vista. O que será que eu vou fazer aqui nesse lugar, para matar o tédio?!

Ah, mas claro... bater um basquetinho não é má idéia!! Dã, como é que eu pude esquecer... tenho uma quadra de esportes lá embaixo todinha pra mim! BELEZA!!!

Desço de volta, torcendo para que o armário que guarda as bolas esteja aberto. Pra minha alegria, ele está sim! Pego a bola de basquete, ligo os holofotes de um dos lados da quadra – pra economizar energia pública – e começo a minha diversão solitária.

Batendo uma bolinha, não vejo o tempo passar. Treinar sozinho até que não é de um todo ruim... Posso errar todas as cestas que quiser, que não vai ter ninguém pra me vaiar!

De repente, piso em algo que não é chão e levo aquele tombo. Mas que raio, de onde saiu essa bola de voley?! Arremesso ela para a parte escura da quadra e a observo rolar, até desaparecer nas sombras. Recomeço então o meu jogo.

Mas, antes que eu pudesse fazer um primeiro lançamento, ouço um ruído familiar se reaproximar de mim outra vez. Para a minha surpresa, a bola rolou de volta ao lugar em que eu tropecei nela. Impressão minha, ou isso deveria ser fisicamente impossível, sendo que eu estou aqui sozin...

Antes que eu possa completar meu raciocínio, outras bolas começam a surgir das sombras, rolando ao mesmo tempo e vindo todas em minha direção. Gradativamente, elas vão parando, até formar um círculo ao meu redor. Tudo é tão sinistro que o meu corpo nem conta conversa... já começa a tremer todinho!

De repente, visualizo uma figura movendo-se na escuridão. Ela parece estar chegando perto, pois aos poucos, começa a se tornar mais nítida. É então que, ao atravessar completamente o limite da escuridão para a luz, meu coração trepida no peito.

É ela. Myu.

A garota da floresta.

A garota do templo.

A garota da voz.

Ela, realmente, me encontrou!

Mas... isso é... impossível!!

Ela para no ponto onde uma janela projeta a luz da lua sobre o piso e então, algo ainda mais inacreditável acontece:

Nove caudas... nove caudas azuis e cintilantes... surgem de seu corpo, uma após a outra... exatamente como ela havia descrito antes, mas eu não acreditei!

Já não sei mais até quando o meu coração vai durar, sem ter um ataque fulminante! Todos os músculos do meu corpo já não me obedecem mais. Eles parecem estar aguardando o cumprimento da ameaça feita por ela, hoje mais cedo...

– Agora você acredita em mim?! – pergunta ela à distância, malevolamente serena.

É absolutamente desnecessário, mas eu ainda confirmo a sua pergunta com a cabeça. Ela é, realmente o que diz que é... Uma Gumiho! Não uma garota qualquer... Não uma pessoa louca...

Uma raposa de nove caudas!

Ainda parada sob a luz do luar, com suas lindas caudas pairando atrás de si, ela me lança um último sorriso, cheio de veneno, e diz, categoricamente:

– Então, agora... você vai morrer!

Como se nem tocasse o chão, ela começa então a caminhar em minha direção, e eu apenas me deixo ficar a sua espera, como a presa encurralada por seu predador. De todos os modos, não é como se eu ainda pudesse fugir, àquela altura do campeonato...

A distância que nos separava finalmente é percorrida, e aí “Myu” lança os braços sobre o meu rosto, com decisão.

Nessa hora, meus músculos se rendem por completo, e minha memória acusa uma lembrança da noite passada. Aquele toque... era o mesmo toque que eu senti no solo do barranco, antes de perder os sentidos.

Mas, se ela antes me trouxe a salvação, agora ela vem para tomá-la de volta!

Myu então faz a sua última investida a mim...

Ela aproxima o seu rosto toca sutilmente os lábios nos meus... e eu sinto todo o calor em mim abandonar o meu corpo de uma só vez, na forma de uma luz radiante, que brilha agora entre os nossos rostos.

Descubro, nesse instante, que o calor de vida que eu achava que era do meu corpo, era na verdade o fogo da sua “gota de raposa”, que ela agora está me tirando.

Num segundo, tudo vira escuridão e frio de morte.

Suas mãos abandonam o meu rosto...

... e meu corpo se abandona no ar, caindo...

... já sem vida alguma nele.



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